Petronilha Silva é homenageada por atuar na construção das bases da educação antirracista (21/11/2022)

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A professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva foi homenageada, na sexta-feira (18/11), pela Justiça Federal do RS (JFRS) por sua atuação na construção das bases da educação antirracista no Brasil. Ela teve sua história contada em uma mesa-redonda, que integrou a programação do Mês da Consciência Negra na instituição e que, nesta edição, recebeu o nome da educadora.

Na abertura, o presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, desembargador federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, reforçou a importância do evento. “Nós temos que trabalhar com políticas inclusivas, nós temos que diminuir essa simetria que há nas relações”. Ele citou autores e obras que tratam da luta da população negra e destacou a importância de debater este assunto.

Na sequência, o diretor do Foro da JFRS, juiz federal Fábio Vitório Mattiello, ressaltou a relevância do mês de novembro, que tem o dia da Proclamação da República e o dia da Consciência Negra. “A nossa Constituição diz que a República Federativa do Brasil é uma sociedade que não aceita a discriminação e menciona alguns tipos de discriminação, entre os quais, a discriminação racial”. Para ele, eventos como o realizado “nos dão a certeza que estamos cumprindo com algumas prerrogativas importantes que constam na nossa Constituição e que temos discutir e trazer para o debate público e na sociedade”.

A programação “Mês da Consciência Negra 2022 – Edição Petronilha Silva” na JFRS foi promovido pelo Grupo de Trabalho (GT) Direitos Humanos, Equidade de Gênero, Raça e Diversidades da instituição.

Uma história pela educação

Na composição da mesa-redonda, a servidora Magali Dantas, membro do GT, destacou que qualquer política pública ou iniciativa a ser implementada no Brasil precisa, primeiro, enfrentar o racismo. Ela fez a mediação do evento e apresentou as participantes: a homenageada Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, Joana Célia dos Passos, vice-reitora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e Fernanda Oliveira Silva, professora do curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Magali destacou que o evento reuniu três gerações de mulheres negras.

A historiadora pontou que “é fundamental termos essas homenagens, que nós possamos nos conhecer. Infelizmente, fruto do racismo epistêmico, muitos dos nossos conhecimentos ainda são negados a maior parte da população”. Ela ressaltou que “falar de Petronilha é falar de uma experiência da população negra no Rio Grande do Sul, é falar do contato com a educação, é falar dos espaços de sociabilidade negra. É falar como que essa existência foi possível a despeito do racismo que nos inviabiliza, que nos impossibilita, mas foi possível também em extremo diálogo com ele”.

A professora contou a trajetória da homenageada, que nasceu, em 1940, na antiga Colônia Africana em Porto Alegre, onde hoje é o bairro Rio Branco, formou-se em Letras pela UFRGS, com licenciatura em português e francês, e como este percurso se aproxima da história da educação no estado gaúcho.

“A professora Petronilha, por exemplo, vai compor a primeira turma do Colégio Aplicação, que era, naquele momento, extremamente inovador”. Ela entra neste espaço que vai ser fundamental para ter acesso a um ensino de qualidade. Segundo ela, isso já aponta que “a bandeira da educação talvez seja a bandeira mais importante dos movimentos sociais negros, mesmo antes da constituição do movimento social negro organizado”.

Petronilha vai ser preocupar com a educação na sala de aula, enquanto professora, mas também com as pesquisas e políticas públicas. “É isso que ela vai desenvolver, especialmente, no seu mestrado, vai levantar dados para se pensar sobre aquilo que hoje se conhece como censo da educação”. Fernanda apontou como a homenageada foi criando redes e estabelecendo projetos coletivos junto aos organismos educacionais, como Projeto Rondon.

A historiadora destacou que Petronilha vai ser precursora nos estudos das experiências de comunidades negras rurais, com sua tese de doutorado na centrada na Comunidade do Limoeiro. Em todo seu percurso, a homenageada trabalhou de forma coletiva e, mesmo tendo ir trabalhar em outro estado, não perdeu a ligação com o Rio Grande do Sul.

Esta trajetória levou a sua indicação, pelo movimento negro, no Conselho Nacional de Educação, onde atuou como relatora na comissão que elaborou o parecer que regulamentou que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana (Lei nº 10639/2003)

A construção de políticas públicas

A vice-reitora da UFSC, em sua fala, afirmou que seu objetivo é destacar a importância de Petronilha na construção das políticas públicas voltadas a população negra, principalmente as diretrizes curriculares nacionais para o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nos currículos escolares e sua influência e determinação na defesa das ações afirmativas para estudantes negros, indígenas e de escola pública.

Ela lembrou que, para elaborar as diretrizes curriculares nacionais, a homenageada fez questão de efetivamente ouvir seus pares. “Ela enviou, para uma rede de ativistas negros e negras, um e-mail dizendo da importância de cada um dizer, formular aquele documento. Isso está na memória das pessoas que participaram. Ela não necessariamente precisava fazer isso com a trajetória que tinha, já estava no Conselho de Educação, já tinha uma representação brilhante, reconhecidíssima nacional e internacionalmente”.

Segundo Joana, Petronilha também trabalhou para a elaboração de políticas afirmativas e que foi a partir destas políticas que se viu um crescimento do número de pessoas se autodeclarando negros na sociedade brasileira. Ela ainda destacou a relevância do sistema de cotas, que representa “a maior política de democratização do ensino superior brasileiro na história da universidade brasileira”.

Olhando diretamente para a homenageada a vice-reitora afirmou: “Nós somos responsáveis, Petronilha, pegos pela sua mão, por alterar sim a cara da universidade brasileira. Somos responsáveis por tensionar com a branquitude que se estabeleceu naquele lugar de um modo hegemônico, como se aquele lugar chamado universidade fosse ou seja um lugar de destino de todos aqueles que têm a cor de pele branca na sociedade brasileira”.

O que ficou marcado na fala de Joana e de Fernanda quando descrevem a homenageada é que sua atuação sempre foi pautada em estabelecer dialógicos, construir redes e ouvir os pares, em trabalhar de forma coletiva.

Que projeto de sociedade queremos?

Para encerrar a mesa-redonda, a homenageada falou para o público presente. Petronilha reforçou a construção coletiva que faz parte de sua trajetória compartilhando um provérbio africano. “Eu sou porque vocês são. Eu sou porque nós somos”.

 A educadora refletiu sobre o projeto de sociedade que se constrói para o país e o papel de cada um nessa elaboração, já que a forma como se convive ou não com as outras pessoas participa desta construção. “Quando eu cruzo com uma pessoa, se eu não a olho nos olhos, não precisa sorrir, cumprimentar, abraçar, se eu não a olho nos olhos eu estou transmitindo um projeto de sociedade em que algumas pessoas não pertenceriam, pelo menos, ao meu grupo”. Ela afirmou que, “com as nossas atitudes, olhares, gestos e palavras, estamos expondo que sociedade nós queremos, que sociedade nós estamos deixando de herança”.

Ela lembrou que a sociedade brasileira se formou, deste o século XVI, “em violências com tentativas de destruição dos povos indígenas, de suas culturas e contra os africanos que eram escravizados”. Pontuou que se procurou justificar a escravidão a partir do convencimento de que os africanos não eram “tão humanos” e que “os homens brancos europeus e suas culturas seriam superiores. As mulheres brancas também seriam superiores as pessoas negras, embora inferiores aos homens brancos”.  

A homenageada afirmou a necessidade de se discutir “que nação nós queremos? Que herança queremos deixar para as próximas gerações? Queremos uma sociedade tal como está?”

Para ela, a educação é um instrumento forte na construção de sociedade e para se ter uma sociedade sem racismo é necessário buscar, “em diversas áreas de conhecimentos, referências, práticas e teorias que tenham raízes nos diferentes povos que constituem a nação”. Ela encerra sua fala provocando os presentes a refletirem: “para qual projeto de sociedade eu trabalho?”

Secos/JFRS (secos@jfrs.jus.br)

Joana (E), Magali, Petronilha e Fernanda participaram da mesa-redonda (Secos/JFRS)

GT de Direitos Humanos da JFRS promoveu a programação (Secos/JFRS)