Tecnologia avançada é aliada da Justiça, mas qualidade depende do fator humano, afirmam especialistas

  • Autor do post:
  • Categoria do post:Sem Categoria

A pandemia de covid-19 obrigou o Poder Judiciário e os operadores do direito a se adaptarem a novas tecnologias e a estudarem ferramentas pouco utilizadas até então. Temas como audiências remotas, provas digitais e inteligência artificial encontram defensores e críticos entre os especialistas, mas todos concordam que o avanço da tecnologia, por si só, não garante uma prestação jurisdicional de qualidade. A conclusão foi apresentada durante a quarta edição do “Jornadas Brasileiras de Direito Processual do Trabalho”, evento ocorrido nos dias 6 e 7 de outubro, no Fórum Ruy Barbosa, em São Paulo.

É notável que a tecnologia resultou em velocidade e aumento de produtividade no Judiciário (há varas com audiências telepresenciais, por exemplo, em que se verificou um aumento de 30% na quantidade de julgados). Entretanto, o juiz do TRT-21 Luciano Athayde Chaves defende que se deve discutir o que o usuário da Justiça deseja. “O cidadão quer que a Justiça seja também justa, e toda essa rapidez pode dar a sensação de descaso, assim como a morosidade excessiva”, pontua. Ele também chama atenção para a necessidade de se reforçar a governança de tecnologia da informação (com a participação de magistrados, da sociedade e da Ordem dos Advogados do Brasil), uma vez que a dependência dos sistemas de informática está se tornando ‘incontrolável’. Em sua opinião, corremos sério risco de os algoritmos decisórios entrarem na linha de produção da Justiça.

Nesse sentido, o juiz do TRT-3 Bruno Alves Rodrigues afirma que o domínio de dados é hoje o “novo petróleo”, e entende que o uso da tecnologia não deve acentuar diferenças sociais e econômicas entre as pessoas. Em apresentação, citou software utilizado por tribunais americanos para atribuir fianças a indivíduos presos, que, a partir de análise de dados inseridos no sistema (como etnia, renda, local de moradia, renda etc.), recomenda o aumento em 20% do valor cobrado para indivíduos da cor negra. “A partir de uma análise fria da máquina, o sistema matematizou o racismo que já estava na sociedade. Faz sentido isso? Ou o operador do direito deve fazer uma ruptura dessa realidade histórica?”

Se as partes estão autorizadas a empregar todo meio de prova legal admitida no processo, o uso de provas digitais em um ou outro polo dos autos também poderia aumentar a injustiça entre as partes. Como exemplo, o juiz do TRT-2 Homero Batista Mateus da Silva citou o pedido de empresas pela geolocalização do trabalhador a fim de rastrear o uso do bilhete único e excluir o pagamento de hora extra pleiteado na Justiça do Trabalho. O mesmo magistrado questiona se, em tese, haveria pedido semelhante para comprovar onde estava o empregador quando o cartão de ponto do empregado fora fraudado.

Durante o encontro, também se questionou a tentativa de manipulação da jurisprudência dos tribunais. Empresas com muitas demandas têm solicitado segredo de justiça ou retirada do processo da pauta em pedido conjunto com o trabalhador e, em seguida, fecham acordos às vésperas dos julgamentos. Dessa forma impedem o reconhecimento de vínculo empregatício e evitam a formação do entendimento sobre o caso.

Em uma das últimas exposições, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Cláudio Brandão destacou as vantagens do uso da inteligência artificial no sistema de precedentes (como a uniformização da jurisprudência, a diminuição de recursos e a contribuição para a razoável duração do processo), porém destacou a existência de 46 milhões de brasileiros sem acesso à internet e o alto custo desse serviço para os mais pobres. Também tratou dos perigos da automatização do processo e da própria Justiça, citando riscos como a discriminação por algoritmos. “O grande risco que corremos é a perda da humanização do processo. Se não houver uma decisão política e judiciária de inclusão do cidadão, não faz sentido. E é por isso que existe a Justiça do Trabalho, para incluir”, resumiu.
 

 

Saiba mais
A capacitação “IV Jornadas Brasileiras de Direito Processual do Trabalho” foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual com apoio da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região. Reuniu dezenas de palestrantes, entre professores, advogados, ministros do Tribunal Superior do Trabalho, além de magistrados deste e de outros tribunais. Confira a programação aqui
 

Entenda alguns termos usados no texto:

algoritmo forma de representar um processo estruturado para a realização de uma tarefa, passo a passo de uma atividade precedente decisão judicial relativa a um caso concreto que pode servir como exemplo para processos análogos