Na manhã dessa terça-feira (11/11), na Câmara dos Deputados, em Brasília-DF, aconteceu a Audiência Pública “Novas relações de trabalho e o papel do Judiciário”, convocada pelas comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e do Trabalho (CTrab), com participação de deputados, convidados(as) especialistas e demais interessados.
Entre os especialistas, estavam o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), desembargador Valdir Florindo, e o presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), ministro Luiz Philippe Vieira de Mello Filho.
A audiência teve por intuito promover o debate sobre as novas formas de trabalho e seus impactos. Veja aqui as fotos.
Direito do Trabalho: instrumento de civilização
O presidente Valdir Florindo iniciou sua fala com uma rápida retrospectiva da gênese do Direito do Trabalho, e citou: “O Direito do Trabalho, conforme sintetizou o saudoso professor Amauri Mascaro Nascimento, é instrumento de civilização! E não há nada mais contemporâneo do que a necessidade de desenvolvimento da civilização”.
O dirigente considerou os rumos atuais e questionou: “(…)A Quarta Revolução Industrial, com o teletrabalho, a automação, a inteligência artificial, está reconfigurando profundamente o modo de produzir e de trabalhar. (…) Mas, a despeito disso, as perguntas fundamentais permanecem as mesmas: Quem precisa de proteção? Quem controla o trabalho? Quem se beneficia da sua execução? Quem assume os riscos da atividade econômica? Essas são as perguntas que o Judiciário continua a fazer para identificar quem tem os direitos trabalhistas e quem deve respeitá-los. Naturalmente, o legislador também deve encarar as novas formas de trabalho nessa perspectiva.”
Baliza sempre válida e indagação
O desembargador-presidente lembrou: “No Brasil, é o art. 7º da Constituição que define os direitos fundamentais dos trabalhadores. E o fez em linguagem ampla: não se refere apenas aos empregados, e sim a todos os trabalhadores. Essa escolha não foi por acaso, [mas para] proteger o trabalho humano em todas as suas formas, clássicas ou emergentes. Por isso, mesmo que a realidade nos apresente novas formas de trabalho e ainda que o legislador pretenda regulamentá-las com regras específicas, as balizas constitucionais sempre devem ser respeitadas”.
Em seguida, abordou os temas mais prementes: “Nos próximos dias o Supremo Tribunal Federal julgará o Tema 1291, sobre o vínculo de emprego em plataformas digitais, a chamada ‘uberização’. Também analisará em breve o tema 1389, sobre a fraude consubstanciada na contratação de empregados por meio de pessoas jurídicas, a chamada ‘pejotização’. Confio que o STF, como guardião da Constituição, não deixará os direitos fundamentais do trabalhador perecerem no passado, assegurando a aplicação do art. 7º da Constituição também aos trabalhadores do nosso tempo. Aliás, o STF deve se concentrar na análise dessa temática sob a perspectiva constitucional, abstendo-se de se imiscuir em temas como ônus de prova e análise de fraudes. Qualquer decisão do STF sobre temas infraconstitucionais representa uma intromissão desautorizada e indesejável na competência de outros tribunais. Essa é a verdade! Com todo o respeito!”
E questionou: “A propósito, indago aos senhores: Independentemente do que decida o STF, quando um juiz se deparar com uma fraude, o que ele deve fazer com ela? Esconder em uma gaveta com chave? Trancar em um cofre com segredo bem guardado? Fraude não se guarda em gavetas ou cofres, muito menos pelo Judiciário! A essência das relações não se altera por vontade do legislador ou do julgador. Elas simplesmente existem e, mais cedo ou mais tarde, a realidade se impõe.”
A JT segue cumprindo o seu papel
Por fim, respondendo de forma clara ao tema da audiência pública, o magistrado concluiu: “Aliás, nenhuma empresa quebra por cumprir leis, absolutamente. Quebram, sim, por concorrerem com outras empresas que não cumprem leis e, assim, agem no mercado com vantagem desleal sobre as empresas responsáveis. (…) É o Direito do Trabalho que torna a liberdade possível para quem não nasceu com ela garantida. As conquistas trabalhistas não são relíquias de um tempo industrial superado, mas garantias universais de cidadania que precisam ser traduzidas para a era digital. O que muda é a forma do trabalho; o que permanece é o seu valor. E é com esse espírito, de respeito à história, à Constituição e ao ser humano, que o Judiciário continua cumprindo seu papel. E o legislador deve seguir o mesmo caminho, garantindo que o progresso econômico caminhe lado a lado com a justiça social.”
Uníssono de vozes de alerta
O ministro-presidente Luiz Philippe Vieira de Mello Filho fez a abertura dos pronunciamentos, levantando outros pontos importantes. Para aqueles que consideram a ‘pejotização’ como solução para contratações mais flexíveis, e a Justiça do Trabalho como obstáculo, o ministro lembrou: “Não posso deixar de comentar aqui que este País foi construído, nesses 80 anos, tendo como base a Consolidação das Leis do Trabalho. Nenhum de nós tem um ascendente que não foi contratado pela CLT e não construiu sua família e trouxe a sua realidade como forma de desenvolvimento deste país através da proteção da CLT. Nós não estamos aqui para impedir o desenvolvimento econômico”.
E foi taxativo, sobre a pejotização: “Trata-se de fraude, na qual a constituição de um CNPJ não corresponde à existência de uma atividade empresarial em sentido estrito, mas, sim, a um disfarce do trabalhador pessoa física que presta serviço com pessoalidade e subordinação. (…) É por meio dessa fraude, com a qual o trabalhador é obrigado a concordar sob pena de não ser contratado para prestar serviço, que as contratantes adquirem vantagens indevidas no mercado, concorrendo deslealmente com aquelas empresas que observam a legislação trabalhista e desfalcando o Erário público em relação às contribuições sociais e previdenciárias devidas em razão da contratação trabalhista”.
Por fim, delimitou: “A cidadania e os direitos humanos são atributos da pessoa e não de empresa. E é nesse lugar que devem estar os trabalhadores e trabalhadoras brasileiras como cidadãos tributários de direitos humanos e da distribuição de justiça social. É nessa chave lógica que a Justiça do Trabalho se movimenta e é sob essa perspectiva que eu gostaria de convidar as senhoras e os senhores a refletir neste debate”.
Também se manifestaram os servidores do TRT-2 Thiago Duarte Gonçalves, presidente da Associação dos Oficiais de Justiça e Avaliadores Federais da Justiça do Trabalho da 2ª Região (Aojustra) e Samanta Pinheiro Gazelli, coordenadora da Federação Nacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras do Judiciário Federal e Ministério Público da União (Fenajufe), além de outros especialistas, cuja lista completa pode ser vista aqui.
Neste link, disponibilizado pela Câmara dos Deputados, é possível ler todos os pronunciamentos feitos, além dos vídeos de cada um deles. Clique aqui para assistir à íntegra do discurso do presidente Valdir Florindo.
