A 5ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS) condenou três pessoas por manterem trabalhadores em condições de trabalho análogas à escravidão. A sentença é do juiz Julio Cesar Souza dos Santos e publicada no dia 26/6.
O Ministério Público Federal (MPF), autor da ação, ofereceu a denúncia com base em uma fiscalização realizada por uma equipe do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho em Condições Análogas às de Escravo, da Subsecretaria de Inspeção do Trabalho, ligados ao Ministério da Economia.
O GEFM esteve em três propriedades de um dos réus entre fevereiro e março de 2021. Em uma delas, localizada no município de Campestre da Serra (RS), teriam sido encontrados dezoito trabalhadores em condições de trabalho degradantes.Os relatos informam que os homens foram recrutados pela segunda acusada, sendo trazidos de Curitibanos (SC) para trabalharem na colheita e no beneficiamento de alho, desde novembro de 2020.
Segundo o autor, o terceiro réu, filho da segunda acusada, seria o responsável por transportar os trabalhadores entre o alojamento e as lavouras e realizar a fiscalização das atividades. Mãe e filho são acusados de aliciar os trabalhadores, sendo o outro réu responsável pela contratação e pagamento pelos serviços prestados.
O grupo de fiscalização, composto por auditores fiscais do trabalho, procurador do trabalho, defensora pública federal, agentes da Polícia Federal e auxiliares, produziu relatório, descrevendo que o alojamento onde se instalavam os trabalhadores seria precário, com beliches e colchões no chão, lavanderia e banheiro em mau estado de conservação.
Além disso, a relação de trabalho era informal, sem registro em carteira de trabalho, contratos ou recibos de pagamento, em descumprimento às normas trabalhistas.
O MPF afirmou que foram relatados o uso de violência, coação e ameaça para que os trabalhadores continuassem a prestar os serviços. Houve informações de que os aliciadores teriam usado arma de fogo para aterrorizar os empregados. Haveria a prática de troca de serviços por mantimentos, bebidas e até drogas, sendo registrado em um caderno de anotações, que era administrado pela mulher acusada, valores que supostamente eram referentes a “vales” ofertados que, posteriormente, constituíam dívidas dos funcionários.
Assim, eles seriam compelidos a trabalhar para pagar a dívida, que, muitas vezes, ultrapassava os valores a serem recebidos pelo serviço prestado. Foi constatado que nenhum dos homens recebia pagamento em espécie, sendo alegado que a remuneração só seria concedida ao final da safra.
Foram emitidos vinte e um autos de infração por descumprimento às regras trabalhistas, sendo os homens afastados do local. Foram pagas as verbas rescisórias e emitidas guias de seguro desemprego em benefício dos trabalhadores.
Os réus negaram as acusações. O dono das propriedades disse apenas ter contratado os serviços da mulher temporariamente, desconhecendo a forma como ela lidava com os funcionários.
O juiz analisou o conjunto de provas apresentadas nos autos. “No caso concreto, constatou-se situação que transcendeu a mera inobservância de normas trabalhistas. As vítimas foram privadas de sua liberdade e submetidas a condições laborais que comprometeram sua dignidade, em violação direta aos direitos fundamentais assegurados pela ordem jurídica. A conduta observada não se limitou a descumprimentos formais, mas atingiu o núcleo da proteção conferida à pessoa humana”, concluiu o magistrado.
O dono dos imóveis e da plantação foi condenado a seis anos e um mês de reclusão, em regime inicial semiaberto, mais multa. A mulher foi condenada a dois anos e nove meses, em regime aberto, obtendo a substituição da pena privativa de liberdade por prestação de serviços comunitários mais pagamento de três salários mínimos. Por fim, o terceiro réu foi condenado a três anos, dois meses e quinze dias de reclusão em regime semiaberto, mais multa.
Cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
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Imagem retirada dos autos do processo (Imagem retirada dos autos do processo)