O terceiro e último dia do Simpósio Internacional de Direito do Patrimônio Cultural e Natural, nesta sexta-feira (17), foi marcado pela participação da ministra Cármen Lúcia, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), e pelo anúncio de uma declaração com mais de 40 enunciados que servirão para orientar os operadores do direito em relação ao tema.
Com o objetivo de celebrar os 50 anos da Convenção para a Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, o evento foi organizado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em parceria com o Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal (CEJ/CJF) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). As palestras aconteceram no auditório externo do tribunal.
Ministros Herman Benjamin, Benedito Gonçalves, Cármen Lúcia, Maria Thereza de Assis Moura, Og Fernandes e Regina Helena Costa no encerramento do simpósio. | Foto: Gustavo Lima / STJO ministro do STJ Herman Benjamin, coordenador científico do simpósio, anunciou ter sido concluída durante o evento a Declaração Judicial de Brasília sobre Juízes e Patrimônio Cultural e Natural, com mais de 40 enunciados que serão oportunamente divulgados. Ele informou que será criada uma comissão para acompanhar a aplicação dos enunciados no âmbito do Poder Judiciário.
“Tiramos o tema do patrimônio cultural e natural da nota de rodapé dos livros. Ele deixa de ser um apêndice do direito. Juntos, nós damos a centralidade a essa disciplina do direito, que é civilizatória”, salientou o ministro.
Debate sobre patrimônio cultural e natural é ponto de não retorno civilizatório
O vice-presidente do STJ e coordenador-geral do simpósio, ministro Og Fernandes, presidiu a mesa de encerramento ao lado da presidente da corte, ministra Maria Thereza de Assis Moura. Para a conferência final, eles receberam a ministra Cármen Lúcia, ex-presidente do STF.
A presidente do STJ declarou que a presença de Cármen Lúcia trouxe um significado ainda maior para o evento: “A ministra inspira as magistradas do Brasil nessa jornada pela igualdade dos direitos das mulheres, com muita ##competência## para mostrar que nós temos o nosso espaço e podemos ser mais e melhores”.
Ao falar sobre a importância dos temas debatidos no simpósio, Cármen Lúcia afirmou que é necessário criar uma “república mundial” baseada em valores materiais e imateriais que garantam a manutenção do processo civilizatório. “Nós estamos em um ponto de não retorno civilizatório”, declarou.
A ministra comentou que muitos magistrados não tiveram a disciplina de direito ambiental na faculdade, mas os tempos modernos exigem a atualização constante do aprendizado: “Os juízes têm que ter espaços para aprender, mas é preciso que a gente sensibilize o magistrado para que ele tenha o julgamento voltado para essas demandas urgentíssimas da humanidade”.
De acordo com a ex-presidente do STF, essa sensibilização passa pela consolidação do processo democrático na sociedade, que se materializa por meio de textos como a Constituição Federal. No entanto, “para que haja a garantia de preservação do patrimônio cultural e natural, é preciso que ela saia dos textos de lei e chegue à sociedade”, concluiu a ministra.
Desafios na preservação do patrimônio e na interpretação jurídica
O primeiro painel do dia, sob a presidência do ministro do STJ Benedito Gonçalves, discutiu o tema “Desafios emergentes na proteção do patrimônio cultural e natural: um diálogo entre as duas agendas”.
O primeiro palestrante foi o promotor do Ministério Público de Minas Gerais Marcos Paulo de Souza Miranda, que atuou como coordenador da Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico entre 2005 e 2016. Ele avaliou que existem dois grandes desafios atuais em relação ao patrimônio cultural: a mudança de cultura e o desafio da correta interpretação das regras e dos princípios que envolvem a tutela desse patrimônio no Brasil, especialmente nas grades curriculares dos cursos de direito.
“Aí reside uma importância imensa do Poder Judiciário, porque, se ele pode declarar um bem como patrimônio cultural, por via reversa ele pode dizer que aquele bem não é um patrimônio cultural e que aquela tentativa de proteção, na verdade, se dá com base em um verdadeiro desvio de finalidade”, refletiu o promotor.
Instrumentos para a tutela jurídica da paisagem
A procuradora do Ministério Público do Rio Grande do Sul Ana Paula Marchesan abordou a tutela jurídica da paisagem no Brasil e destacou o tombamento como um de seus instrumentos mais relevantes. Ela observou que sua utilização enfrenta problemas devido à mutabilidade e à multidimensionalidade. “O tombamento deve ser conjugado com outros instrumentos adequados para cada caso específico, como a chancela da paisagem”, afirmou.
Em seguida, o professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e coordenador do Centro de Pesquisa sobre Direito do Patrimônio Cultural, Carlos Magno de Souza Paiva, apresentou requisitos para identificar se algo é ou não patrimônio cultural sujeito à tutela.
Para o professor, o bem deve ter um significado relevante para uma comunidade, precisa estar consolidado no tempo, não pode ser contrário à Constituição e tem que constituir elemento de construção da identidade individual e coletiva.
Patrimônio cultural deve ter significado relevante para comunidades locais
O presidente da Organização das Cidades Brasileiras Patrimônio Mundial, Mário Augusto Ribas do Nascimento, demonstrou como a instituição vem operando no país, por meio da atuação conjunta com os três poderes. Ele foi prefeito de São Miguel das Missões (RS), quando tornou a cidade uma referência em nível internacional, com suas ruínas reconhecidas como patrimônio da humanidade.
“Na maioria dos pequenos e médios municípios, a população local não valoriza o seu patrimônio. É preciso um trabalho educativo para essas comunidades, para que elas entendam como o patrimônio cultural pode ser transformador, gerando emprego, renda e o aumento da autoestima das pessoas”, destacou.
O analista ambiental Bernardo Ferreira Alves de Brito, do Instituto Chico Mendes, concentrou sua apresentação em dados sobre o desmatamento da Amazônia e nas ações mais recentes para combatê-lo: “Temos investido na descapitalização dos infratores. O que traz resultado hoje é destruir as máquinas usadas nessas atividades, e não necessariamente aplicar multas. São R$ 300 milhões em multas que não trazem frutos, ao contrário dos bens apreendidos”.