Em audiência pública realizada nesta quarta-feira (17), integrantes da Terceira Seção – colegiado responsável por julgar matérias penais no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – ouviram as manifestações de representantes de instituições públicas e de entidades dedicadas à defesa de pessoas acusadas em processos criminais sobre a possível revisão da Súmula 231.
Convocada pelo ministro Rogerio Schietti Cruz com o objetivo de subsidiar o órgão julgador na apreciação do tema, a audiência pública, que aconteceu de forma híbrida (presencial e por videoconferência), contou com 44 exposições, a favor e contra a alteração da jurisprudência. A íntegra da audiência pode ser conferida no canal do STJ no YouTube.
Para o MP, revogação da súmula resultaria em subjetivismo exacerbado
O representante da Procuradoria-Geral da República (PGR), subprocurador-geral José Adônis, primeiro a falar, apresentou a posição do órgão contra eventuais modificações da súmula. Ele destacou que a Súmula 231 do STJ está em conformidade com a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no Tema 158 da repercussão geral, a qual, segundo disse, deve ser respeitada por todos os órgãos do Poder Judiciário, como previsto no artigo 927 do Código de Processo Civil (CPC).
“Eu digo também que a Súmula 231 não viola o princípio da individualização da pena. A fixação da pena dentro dos limites mínimo e máximo previstos para o tipo penal, após o reconhecimento de circunstâncias agravantes e atenuantes, é uma questão de observância do princípio da legalidade. A individualização judicial da pena realiza-se dentro dos limites decorrentes de critérios legais”, afirmou.
Nessa mesma linha, o presidente da Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), Manoel Victor Sereni, enfatizou que a Súmula 231 traz segurança jurídica e proporciona uma margem mínima que pode ser considerada um piso de garantia ao acusado e à sociedade. Para Manoel Sereni, a revogação da súmula resultaria em um subjetivismo exacerbado, o que faria com que, na instância recursal, o julgador não tivesse balizas mínimas para criticar ou censurar a dosimetria da pena.
“Ao não se respeitar a questão do piso da pena mínima, nós teríamos critérios, cada vez mais, sem nenhuma base. Nós nos perguntaríamos até quanto poderíamos baixar a pena, ou se poderíamos zerar a pena ou chegar ao ponto de que a prescrição sempre ocorreria “, comentou.
Casos em que a pena pode ser fixada aquém do mínimo já estão previstos em lei
O procurador do Ministério Público de Minas Gerais André Estevão Ubaldino, que falou em nome do Ministério Público de vários estados, lembrou que o legislador brasileiro já previu, em alguns casos, a possibilidade de imposição de penas abaixo do mínimo legal, como ocorre no Código Eleitoral, em que há a previsão de pena máxima, mas não de mínima.
Além disso, apontou o expositor, são previstas expressamente na legislação “a transação penal, a colaboração premiada, a suspensão condicional do processo, a atenuante inominada do artigo 66 do Código Penal, bem como a possibilidade de o juiz entender exagerada uma pena reclusiva e substituí-la por uma pena de detenção ou pela imposição da pena de multa”.
A Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Associação dos Juízes Federais (Ajufe) também se posicionaram contra a revogação da Súmula 231. O representante da AMB, juiz Paulo Rogerio Santos Giordano, avaliou que, se fosse a intenção da lei que os limites pudessem ser ultrapassados, teria sido estabelecido algum direcionamento aritmético dirigido ao julgador.
“Estabelecer que o juiz pode fixar a pena abaixo do mínimo legal em consideração à existência de atenuantes, quando a lei não disciplina qualquer parâmetro, não somente constitui incentivo ao ativismo judicial como ainda tem o condão de romper a harmonia do funcionamento do sistema de justiça criminal, ao dar azo a penas absolutamente díspares entre si país afora”, afirmou Giordano.
Para seus críticos, precedentes que embasaram a súmula estão defasados
Outras instituições, como a Defensoria Pública da União (DPU), expressaram posição oposta. O subdefensor público-geral federal Jair Soares Júnior destacou a incompatibilidade entre a redação da Súmula 545 e a da Súmula 231.
“A Súmula 545 é clara ao expor que, se a confissão serve de fundamentação para a condenação pelo magistrado, ela também deve ser considerada para a diminuição da pena. Essa superação da Súmula 231 é adequada com a atual jurisprudência”, disse o representante da DPU, para quem a jurisprudência que deu origem à súmula em discussão já está superada por reformas legais.
O conselheiro federal e procurador-geral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ulisses Rabaneda dos Santos, seguiu essa mesma linha, sustentando que os precedentes que levaram à edição da Súmula 231 estão defasados diante das diversas mudanças jurídicas e sociais que ocorreram no país nos últimos anos.
“Antes da alteração de 1984, a aplicação da pena respeitava o critério bifásico, em que as circunstâncias atenuantes e agravantes eram valoradas junto com a pena-base, de modo que, em razão disso, ela não era fixada abaixo do mínimo legal. Contudo, com a reforma penal de 1984, adotou-se o método trifásico: fixa-se primeiramente a pena-base, e consideram-se na sequência circunstâncias atenuantes e agravantes, incorporando-se ao cálculo, finalmente, as causas de aumento e diminuição da pena”, explicou.
Seria praticamente impossível a aplicação de atenuantes zerar a pena
De acordo com o representante da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim), Aury Lopes Júnior, os argumentos a favor da manutenção da Súmula 231 revelam o que ele chamou de “terrorismo penal punitivo”, pois seria praticamente impossível a aplicação de tantas atenuantes a ponto de se atingir o que ele chamou de “pena zero”.
“Na excepcional situação de haver seis atenuantes, vamos resolver o caso por meio de uma questão de método, aplicando um critério sucessivo de incidência de atenuantes, e não cumulativo, como já se faz nas causas especiais de redução da pena. O argumento da ‘pena zero’ é uma falácia punitivista, pois isso nunca vai acontecer”, comentou.
O advogado ressaltou ainda a importância da imposição de limites a possíveis espaços de discricionariedade judicial. “A lei é garantia de limite de poder. Não podemos alargar o espaço punitivo sem lei clara e indiscutível no seu conteúdo”, finalizou o representante da Abracrim.
Manutenção da Súmula 231 repercute na liberdade da população negra
A coordenadora de política criminal da Associação Nacional das Defensoras e dos Defensores Públicos (Anadep), Lúcia Helena Silva Barros de Oliveira, afirmou que a manutenção da Súmula 231 repercute, sobretudo, na liberdade da população negra e dos menos favorecidos. Ela mencionou a decisão do STF que reconheceu, em 2015, o estado de coisas inconstitucional referente às condições precárias do sistema carcerário brasileiro.
“Decidam olhando para as consequências práticas da eventual manutenção da Súmula 231, para o cárcere brasileiro, para a população negra e para os princípios constitucionais”, declarou a representante da Anadep.
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