Fórum Ambiental do TRF4 promove debate sobre mudanças climáticas (06/08/2024)

  • Autor do post:
  • Categoria do post:Sem Categoria

Na manhã da última sexta-feira (2/8), o Sistema de Conciliação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Sistcon/TRF4) realizou a 9ª edição do Fórum Regional Interinstitucional Ambiental. A reunião virtual teve como tema central o debate sobre “A convivência com as mudanças climáticas e ações possíveis e necessárias para obstar catástrofes”. O encontro foi realizado com o objetivo de prospectar a abertura de canais de diálogo e a troca de experiências entre instituições.

A reunião foi presidida pelo desembargador federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, coordenador do Sistcon, e o debate foi conduzido pela juíza federal Clarides Rahmeier, coordenadora do Fórum.

Em sua fala de abertura, o desembargador Hermes enfatizou a importância de um debate racional e com base científica a respeito das mudanças climáticas, especialmente considerando a recente catástrofe, que atingiu milhares de pessoas, no Rio Grande do Sul. “Compreender este modelo e suas consequências, juntamente com os desafios para que a vida humana e dos demais seres vivos seja preservada e se desenvolva de forma sadia, é tarefa inafastável e inadiável, devendo ser visto como um compromisso conosco e com as gerações que nos sucederão”, afirmou o magistrado.

Antes de passar a palavra para a juíza Clarides, ele pediu licença para prestar uma homenagem à Rita Vieira da Rosa, servidora do TRF4 que atuou por muitos anos na Justiça Federal do Rio Grande do Sul e faz parte do Fórum Ambiental desde sua criação. “Este fórum não teria atingido o grau de excelência que atingiu sem a colaboração da nossa querida servidora Rita que, a partir de hoje, entrará numa nova fase de vida e se aposentará”, agradeceu o desembargador Hermes em nome de todos do Sistcon.

A juíza Clarides, em seguida, endossou a homenagem à servidora e introduziu o primeiro painelista da reunião, o Advogado da União (AGU) Éder Maurício Pezzi Lopez, que atua junto à Coordenação de Patrimônio e Meio Ambiente da Procuradoria Regional da União da 4ª Região (PRU4). O jurista apresentou a pauta “Judicialização da costa marítima, mudança climática, meio-ambiente e desastres: desafios presentes e impactos futuros”.

Iniciando a apresentação, o membro da AGU exibiu uma série de dados e informações que constroem o panorama e prognósticos da zona costeira brasileira. De acordo com estudos do Programa Nacional para Conservação da Linha de Costa – PROCOSTA, de 2018, estima-se que 40% da costa brasileira tenha graves problemas de erosão. O estudo, ainda, aponta como principais causas a intervenção antrópica nos processos costeiros, interferências no balanço sedimentar e a urbanização da orla, que ocupa a faixa de resposta dinâmica da praia às tempestades.

Com base nos estudos do Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), de 2023, Lopez expôs projeções das mudanças climáticas para os próximos anos, especificamente sobre o aumento do nível dos oceanos e da frequência e intensidade dos eventos climáticos. “Esse estudo faz uma estimativa que eventos que antes aconteciam uma vez por século, numa projeção até 2100, talvez eles passem a ocorrer ao menos anualmente”, ele revelou.

Em seguida, Lopez apresentou exemplos de casos na 4ª Região de ocupações irregulares na zona costeira e os prejuízos delas decorrentes, seus custos sociais e econômicos, como no caso da Ocupação em Área de Preservação Permanente (APP) e faixa de praia da Ilha das Peças (Guaraqueçaba – PR, Parque Nacional de Superagüi), Ypuã (Laguna – SC), Barra da Ferrugem (Garopaba – SC), a Ocupação sobre a faixa de dunas (Praia do Quintão – RS) e o Bloqueio do acesso à Praia da Figueira (Governador Celso Ramos – SC).

O advogado apontou que o Meio Ambiente, conforme o artigo 225 da Constituição Federal, é um bem de uso comum do povo, não podendo ser apropriado, fechado, ocupado, de maneira exclusiva. A Zona Costeira é um patrimônio nacional, como consta no parágrafo 4º, e a ocupação indevida de áreas que são bens de uso comum do povo compromete o exercício de direitos fundamentais, como o acesso a bens públicos, além de provocar transtornos a populações tradicionais que se desenvolvem nesses espaços e prejuízo turístico e paisagístico.

Segundo o jurista, há uma grande violação à isonomia com as intervenções irregulares de Zonas Costeiras, como no caso de pessoas que ocupam áreas nobres, privatizando os benefícios, porém distribuindo os prejuízos com toda a sociedade.

Éder Lopez concluiu sua fala indicando a necessidade, nas demandas judiciais, em especial a ocupação irregular das zonas costeiras, de se colocar um olhar não apenas para o presente ou para o passado, mas, sobretudo, para um provável ou possível futuro.

Na sequência, o climatologista e professor chefe do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Francisco Eliseu Aquino, que estava presente no Fórum junto com seus alunos do curso de Geografia, apresentou o segundo assunto “Desafios das mudanças climáticas e os eventos extremos no Sul do Brasil”.

Para iniciar a apresentação, o professor mencionou a intrincada conexão entre o Sul do Brasil e Antártida, que proporciona as condições para eventos climáticos extremos, como ciclones extratropicais, a ponto do estado do RS ser destaque nas discussões internacionais.

De acordo com os dados da National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) exibidos pelo professor, o ano de 2024 se encaminha para ser o ano mais quente do século, superando a marca do ano de 2023. “Um ano mais quente, a gente tem uma atmosfera mais quente. Uma atmosfera quente mais propícia a eventos extremos de todas as suas características e magnitudes”, ele ressaltou.

Segundo o professor, “as ações humanas seguem lentas na tomada de decisão e ajustes para a questão ambiental. Nós continuaremos amplificando estes eventos extremos”.

O climatologista destacou que, analisando o mapa do IPCC, verifica-se que enquanto o Brasil fica mais quente e seco, a Região Sul do país e a Bacia do Prata tendem a aumentar a precipitação, uma característica de eventos extremos.

Ele, ainda, apontou que o RS, em sua posição geográfica, vai rivalizar com a Antártica mais fria e com o planeta mais quente, inclinando a rampa da troposfera e, por conta disso, essas correntes de jato ficam mais intensas e vão promover eventos mais intensos e mais frequentes.

A Antártica é um dos campos de pesquisa do climatologista, que possui 17 expedições científicas ao continente. Em suas visitas à região antártica, ele analisou que o Mar de Weddell, em especial a região de Skytrain, é fonte de massas de ar anormalmente mais frias do que o usual e que, com a mudança do clima, elas chegam preferencialmente no estado do RS. “Na época dos nossos avós, os invernos frios tinham massas de ar, preferencialmente do Mar de Bellingshausen, que ao invés de ser -5º C, está ao redor de 0º C”, ele evidenciou.

De acordo com o climatologista, “um planeta mais quente, um cerrado e pantanal degradado, incrementa o contraste e fortalece a transferência de umidade, explicando antecipadamente como ocorrerão os eventos extremos de precipitação no Sul do Brasil”. O professor da UFRGS compartilhou dados que comprovam que, nas chuvas de abril a maio deste ano no RS, o volume da precipitação mais do que dobrou em comparação a mesma região hidrográfica de anos anteriores.

Em seguida, ele analisou o mapa climático do estado do RS durante a enchente ocorrida em maio de 2024, suas causas naturais e a contribuição da ação antrópica para isso. Acerca da zona costeira da região Sul, foi apresentado um estudo climatológico sobre os ciclones extratropicais e ressacas, tomando por base o período de 1979 e 2020, que mostra o RS com a maior incidência e força de ressacas.

Finalizando sua fala, o painelista agradeceu a oportunidade de participar do Fórum e expressou sua vontade de que os tomadores de decisão compreendam que as mudanças climáticas são produto do uso insustentável dos recursos naturais, destruição do habitat, crescente urbanização e desigualdade. Ele apresentou dados que indicam a existência de cerca de 3,6 milhões de pessoas vivendo em zonas críticas de elevada vulnerabilidade, enfatizando que a população do RS está contemplada.

Além disso, o professor sugeriu ações que nos direcionam a uma adaptação ambiental. “A gente precisa lembrar desses recursos cruciais que a natureza tem em nosso favor, usar essa tecnologia com planejamento com qualidade, para que a gente possa acelerar a nossa adaptação ambiental”, ele opinou, destacando a necessidade de compromisso político e acompanhamento em todos os níveis de governo.

A terceira e última painelista a falar foi a juíza federal Erika Giovanini Reupke, lotada na Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais de Santa Catarina, em Florianópolis, que debateu o tema “Plantio de espécies nativas: a experiência de Florianópolis replicada para a 4ª Região”.

A juíza Erika compartilhou sua experiência com o plantio de espécies nativas, que teve início em 2021. Ela expôs que o jardim da Justiça Federal de SC tem uma horta administrada por um servidor, mas que contava com a colaboração de outros servidores.

Com a intenção de revitalizar a horta que havia ficado de lado em decorrência da pandemia, a JFSC firmou uma parceria com a FLORAM (Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis), que doou plantas nativas da capital catarinense para plantio na própria sede da Justiça Federal, assim como distribuição de mudas ao público em palestras. A iniciativa promoveu ainda o plantio de ipês amarelos na frente da instituição, plantação de morangos e manutenção de uma composteira.

A magistrada apresentou proposta de recomendação, acolhida pelo Fórum, para que as administrações da Justiça Federal da 4ª Região e dos demais órgãos que compõem o Fórum invistam em iniciativas similares e realizem parcerias com órgãos ambientais a fim de institucionalizar este tipo de prática, além de contratar jardineiros residentes para a manutenção desses seus espaços. “É uma medida bem singela, mesmo. Mas que se replicada e assimilada em toda a 4ª região pode produzir efeitos futuros importantes”, ela expressou.

Após a apresentação da juíza Erika, seguiu-se o debate. O juiz federal Flavio Antonio Cruz abriu o debate perguntando para o professor Francisco Aquino sobre estarmos nos aproximando de um ponto de não retorno para o clima do Sul do Brasil e quais seriam as soluções possíveis.

O climatologista respondeu que o clima da região mudou nos últimos 30 anos, amplificando eventos meteorológicos como chuvas, frentes de calor ou frio, ciclones e tempestades severas. Ele enfatizou que é possível afirmar já ter sido cruzado o ponto de retorno, salientando a importância de melhorar a comunicação da universidade com a sociedade, a fim de instruí-la nas suas escolhas, tanto políticas quanto culturais.

Na sequência, a defensora pública federal Fabiana Galera Severo perguntou para o climatologista sobre o risco de estiagem, questionando sobre possíveis orientações de prevenção no aspecto da segurança alimentar. Ela ainda direcionou outra indagação sobre ocupações irregulares e o tratamento adequado dos conflitos fundiários para o membro da AGU Éder Lopez.

O advogado explicou que tanto as ocupações de alta renda (resorts) quanto de baixa renda (favelas), se elas forem irregulares, têm as mesmas consequências negativas para a sociedade, criticou a visão de que é possível regularizar todos os casos, enfatizou que é preciso ter uma humanização nas desocupações e destacou o importante papel da Defensoria Pública da União (DPU) de fazer uma interlocução de qualidade para que haja soluções socialmente e ambientalmente corretas.

Já o professor Francisco Aquino relatou que, em algum momento, as pessoas passaram a supor que concretar o mundo seria progresso. Na visão dele, “isso é projeção da degradação da concepção da natureza, antes entendida como casa, como espaço da vida, e que passou a ser resumida à ideia de matéria-prima”. O climatologista ressaltou que as iniciativas de cada pessoa no seu entorno são fundamentais, mas que, além disso, parece ser indispensável uma mudança estrutural na forma como, enquanto comunidade política, produzimos e consumimos.

O desembargador Hermes trouxe uma indagação sobre as comissões das bacias hidrográficas e seu funcionamento atual. Aquino relatou que, após as inundações de maio, várias instituições de ensino e pesquisa entraram de forma colaborativa para atender um planejamento estratégico do Governo do estado do Rio Grande do Sul a respeito desses organismos.

O jurista da Procuradoria Regional da República da 4ª Região do Ministério Público Federal (PRR4/MPF), Fábio Bento Alves, fez um questionamento sobre acordos com REURB para regular especialmente casos de ocupação de populações tradicionais e moradia, sobre o qual o advogado da União Éder Lopez esclareceu que existem situações extremas de ocupações em APP que não são passíveis de regularização, mas isso não significa dizer que qualquer apropriação irregular seja inviável de adequação e citou exemplos de boas ocupações.

O desembargador Hermes sublinhou a importância da contribuição da juíza Erika, que ilustra a relevância da mudança nos universos particulares e em contextos menores. “Sonhos possíveis devem ser vistos também nos pequenos mundos, porque as mudanças, elas são feitas, fundamentalmente, nos pequenos mundos. O somatório dessas mudanças é capaz de fazer grandes mudanças”, ele expressou.

Por fim, Hermes discorreu sobre o Fórum emitir uma recomendação destacando a importância da representatividade e efetividade das comissões de bacias hidrográficas e outra recomendação para que as discussões sobre desocupações de zonas costeiras passem pelo Comitê para Tratamento de Conflitos Fundiários.

O próximo Fórum Ambiental do TRF4 será realizado no dia 24 de novembro deste ano.

Fonte: Sistcon/TRF4

Da esq. para dir.: juíza federal Clarides Rahmeier, coordenadora do Fórum Ambiental; desembargador federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, coordenador do Sistcon; e servidor Adelar Geronimo Gallina, diretor de Secretaria do Sistcon (Foto: Sistcon/TRF4)

A reunião do Fórum Ambiental contou com a participação de autoridades e convidados de forma telepresencial, pela plataforma Zoom (Imagem: Sistcon/TRF4)