Alexandra Loras refletiu sobre privilégios, reconhecer o racismo e valorizar a diversidade (11/11/2022)

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“Refletir sobre diversidade e inclusão, celebrar o mês da consciência negra e repensar nossa reparação, ouvir a dor do outro e perceber que, no Brasil, o racismo continua agindo na estrutura”. A jornalista e empresária francesa Alexandra Loras iniciou sua fala apresentando seu objetivo para a Conferência Magna que marcou o primeiro evento da programação “Mês da Consciência Negra 2022 – Edição Petronilha Silva” na Justiça Federal do RS (JFRS) realizado na terça-feira (8/11) em formato virtual. Ela concretizou sua intenção apresentando dados e exemplos da presença do racismo nas mais diversas áreas, da necessidade de se repensar os lugares de privilégios de pessoas brancas, principalmente, e a importância da diversidade e inclusão ser valorizada e efetivamente concretizada.

Na abertura da conferência, o diretor do Foro, juiz federal Fábio Vitório Mattiello, destacou a atuação do Grupo de Trabalho Direitos Humanos, Equidade de Gênero, Raça e Diversidades da instituição, promotor do evento, que tem realizado importantes iniciativas na instituição. Em relação à programação do mês da consciência negra, ele ressaltou que o grupo faz atividades que marcam e reforçam a necessidade deste tema ser debatido na sociedade e também na JFRS.

O racismo atravessa meu corpo

Alexandra Loras chamou atenção para a falta de diversidade nos espaços de poder, tanto em termos raciais quanto de gênero. Ela comentou que as mulheres correspondem a 52% da população mundial, mas sua presença nos altos escalões é muito pequena. Afirmou que há empatia com as mulçumanas por não terem poder nos países árabes, mas quando se observa uma foto do parlamento inglês, percebe-se que não é muito diferente.

Se for acrescentando neste cenário a pele negra, a ausência é ainda maior, mesmo nos países em que a maior parte da população não é branca. Segundo a jornalista, esta ausência de diversidade, se não for reconhecida e transformada, vai sempre reforçar uma narrativa sexista, racista, heteronormativa e capacitista.

Loras contou que quando mudou para o Brasil, há dez anos, para acompanhar o esposo cônsul pensou que encontraria um país sem racismo tendo em conta a grande miscigenação e as referências vindas com o futebol e o carnaval. “Eu aterresei num contexto de muitos privilégios, mas, transitando nessas alturas, eu percebi que eu era sempre a única mulher negra. Eu sofria de micro-humilhações, microagressões todos os dias. Eu recebia na residência consular mais de seis mil pessoas por ano. O protocolo francês faz questão que eu fique na entrada para dar as boas-vindas aos convidados. Muitas vezes as pessoas achavam que eu era a emprega da residência consular. Então, não adianta você falar cinco idiomas, ter viajado para mais de 50 países, ser um mulher negra bem sucedida. O racismo atravessa o meu corpo”.

Ela ainda afirmou que, como 56% da população brasileira é negra, esperava encontrar este percentual de afrodescendentes no governo, no congresso, nas chefias das empresas, na mídia. “Infelizmente, achei menos de 1% nessas alturas e 4% de negros na televisão, mas sempre no papel do criminoso, do traficante de droga ou da faxineira, da babá, da mulher negra hiperssexualizada”.

A jornalista então pontuou que este cenário tem origem na formação do país. “O fato do Brasil ser o país que mais recebeu escravos e foi o último a abolir a escravidão tem ainda consequência sistêmica de um certo apartheid e segregação estrutural. Que eu chamo de cordial, pois não precisa ter leis para efetivamente ter essa separação”. Ela ressaltou que é extremamente importante “ouvir essa dor histórica”.

Para ela, é preciso reconhecer a narrativa racista que atravessa e estrutura a sociedade, notando suas nuances e mecanismos de reforço para que se possa transformar o mundo tornando-o democrático e igualitário. A empresária contou que, historicamente, o lúdico foi utilizado como recurso para ‘convidar’ uma pessoa a ser racista, citando os zoológicos humanos que existiram na Europa e exibiam crianças negras. Esta seria a origem da associação com o macaco e utilizada até hoje como meio ofensivo.

Loras também destacou que esta narrativa está presente na mídia e na sua fascinação pela eugenia. “Ela (toxicidade da mídia) vai deixando, de uma forma muito sutil, fatos através da estética e da moda, o modelo branco, loiro e de olhos azuis. Protagonizar toda a narrativa de padrões de beleza”.

Agentes de transformação

Ela ressaltou que o mundo está longe de ser democrático e humanitário, por isso é preciso atuar em sua transformação. Sublinhou que o “branco de hoje não é responsável pelo o que aconteceu na escravidão. Como os alemães de hoje não são responsáveis pelo Holocausto de Hitler. Mas somos todos responsáveis para repensar e reequilibrar nossa sociedade”.

Para isso acontecer, é necessário perceber os privilégios, já que as pessoas brancas nascem muitos passos a frente do que às negras. É preciso notar, nos espaços que se frequenta, se há diversidade. Se não houver, “perceber que algo que parecia natural para você talvez seja errado, talvez seja injusto”.

“Vocês, da Justiça Federal do RS, são formadores de opinião, com certo privilégio de poder agir e atuar. Como podermos atuar como agentes de transformação? Primeiro, parar de negar a questão racial, parar negar que podemos ascender na sociedade somente com a suposta meritocracia”.

Loras defendeu a importância de atuar para tornar a sociedade mais plural e igualitária e isso parte de notar se o time em que se está inserido é inclusivo. Ela apresentou uma pesquisa que apontou que empresas com diversidade na composição de suas equipes, de gênero e racial, aumentaram em 35% a contabilidade. A justificativa do aumento estaria no fato de que o desenvolvimento de produtos destinados para um consumidor final que, em sua maioria no Brasil, é analfabeto funcional, negro e mulher não poderia ficar nas mãos exclusivamente de homens brancos formandos em universidades privadas, pois eles não conseguem inovar para conversar com este público.

Em sua fala, a jornalista reforçou a relevância de entender os diferentes tipos de racismo: intencional (jogar a banana no campo de futebol), recreativo (piadas), inconsciente (as consequências do mesmo crime são diferentes para pessoas negras e brancas). Ao mesmo tempo, é preciso reconhecer que “somos todos criados numa sociedade racista, sexista, heteronormativa, capacitista. Somos todos resultados desses conceitos”. Mas, também “somos a mistura de muitas histórias. Nossa história é diversa, é plural”. Por isso, é preciso se tornar agente para transformar o mundo em lugar efetivamente democrático e inclusivo, sendo esta uma missão de todos.

O próximo evento do Mês da Consciência Negra 2022 – Edição Petronilha Silva”na JFRS será na próxima sexta-feira (18/11) com a mesa-redonda e homenagem à educadora que dá nome a programação. Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva juntamente com Joana Célia Passos e Fernanda Oliveira da Silva conversarão sobre o legado de Gonçalves e Silva para o antirracismo e a educação no país. O evento será realizado às 15h no auditório do prédio-sede da instituição na capital com transmissão pelo Youtube.

Loras falou por quase duas horas com servidores e juízes (Secos/JFRS)

Diretor do Foro abriu o evento que contou com a mediação da servidora Magali Dantas e de intérprete de Libras ()