Você sabe o que faz uma vara de competência aduaneira? (13/09/2022)

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A Justiça Federal da 4ª Região é uma das poucas do Brasil que possui uma vara especializada em aduana/alfândega. A vara federal fica em Curitiba e é responsável por julgar, entre outros processos, os que envolvem assuntos relacionados ao comércio exterior nacional. À frente da 6ª Vara Federal de Curitiba, está a juíza federal Vera Lúcia Feil, que nos conta um pouco sobre os processos que tramitam por lá e fala sobre as leis que envolvem a questão alfandegária do Brasil. 

 

O que faz uma Vara Federal Aduaneira?
A competência em matéria Aduaneira implica que a Vara processe e julgue causas que envolvem discussões relacionadas ao comércio exterior brasileiro, por exemplo, importação e exportação de mercadorias, pena de perdimento de mercadorias e de veículos em hipóteses de contrabando e descaminho, habilitação de empresas no Sistema Integrado do Comércio Exterior (SISCOMEX), Regimes Aduaneiros Especiais, entre outros. 

Gostaria que a senhora explicasse por que os processos que envolvem a aduana acabam na Justiça Federal?
Porque a competência para exercer a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior brasileiro pertence ao Ministério da Economia, que integra a estrutura organizacional da União, e a Justiça Federal é competente para processar e julgar as causas propostas em que a União for parte. O principal órgão fiscalizador da União é a Secretaria da Receita Federal. Além disso, porque outros entes federais atuam no SISCOMEX como órgãos anuentes das importações, por exemplo, a ANVISA (quando se trata de importação de medicamentos), e sendo uma autarquia federal, também tem foro na Justiça Federal. Ainda, porque os tributos incidentes na operação de importação são todos em benefício da União (Imposto de Importação, IPI, COFIS e PIS – Importação (com exceção do ICMS no desembaraço aduaneiro).

Quais os principais problemas nas alfândegas que geram ações na justiça?
Pena de perdimento de mercadorias e veículos em razão de contrabando ou descaminho; apreensão de ônibus por estar transportando mercadorias acima da cota legal de isenção; indeferimento de pedido de habilitação de empresas no SISCOMEX; excesso de prazo na conclusão do despacho aduaneiro de importação; retenção de mercadorias na importação com exigência de recolhimento de tributos ou prestação de garantia como condição para o desembaraço aduaneiro; dúvidas sobre a classificação fiscal de mercadorias para definir a Nomenclatura Comum do Mercosul adequada.  

 

“O Brasil precisa avançar com a elaboração de um Código de Direito Aduaneiro, a fim de compilar e sistematizar a legislação aduaneira que é esparsa.
juíza federal Vera Lúcia Feil

 

Quando falamos em leis das alfândegas, o que o Brasil precisa avançar? A senhora poderia dar algum exemplo?
O Brasil precisa avançar com a elaboração de um Código de Direito Aduaneiro, a fim de compilar e sistematizar a legislação aduaneira que é esparsa, pois ela se encontra em várias leis, regulamentos e outros atos normativos, demonstrando que não há autonomia legislativa desse ramo do Direito, o que prejudica o trabalho dos profissionais que atuam na área. 

Em sua opinião, o que precisa melhorar quando falamos na fiscalização alfandegária no Brasil?
É fato público e notório que há sobrecarga de trabalho na maioria dos órgãos públicos, que não dispõem de pessoal suficiente para dar conta da grande demanda de serviço em tempo adequado e razoável. Os órgãos da Receita Federal do Brasil não são exceção, além de outros órgãos que atuam no comércio exterior, principalmente como anuentes das importações (ANVISA, Ministério da Agricultura, Ministério do Exército etc). Assim, é necessária a contratação de mais servidores para atuar na fiscalização, por meio de concurso público. Apesar dos avanços na área tecnológica, com a criação de várias ferramentas modernas para facilitar o comércio internacional e a fiscalização, não há número adequado de servidores.

Tendo como parâmetro as ações que tramitam na Vara Federal, quais mercadorias/produtos ficam presos nas alfândegas?
Mercadorias importadas com valor acima da cota legal de isenção  sem recolhimento de tributos (US$ 1.000,00 por via aérea ou marítima; US$ 500,00 de compras em lojas francas/duty free; US$ 500,00 por via terrestre); mercadorias que foram classificadas de forma equivocada na NCM, gerando diferença de tributos e multa (s); mercadorias cuja importação é proibida (contrabando de cigarros, por exemplo); mercadorias cujos documentos de importação foram falsificados ou adulterados.  

Quais as penalidades aplicadas pela Justiça Federal em relação às fraudes cometidas?
Em processos que tramitam na Vara Aduaneira (matéria cível) as penalidades já foram aplicadas na esfera administrativa pela fiscalização (pena de perdimento de mercadorias e de veículo, penas de multa), e a Justiça Federal as mantém ou as anula; nessa última hipótese, em caso de considerar que foram aplicadas de maneira ilegal.

A senhora acha que a alta carga tributária no Brasil contribui para esse volume?
Acredito que a alta carga tributária gera várias consequências prejudiciais à economia, dentre elas o alto custo das mercadorias em razão da carga tributária; isso faz com que pessoas físicas ou jurídicas busquem fazer a importação de bens pelos meios ilegais, utilizando-se do descaminho, que permite o não recolhimento dos tributos devidos pela importação.

Poderia citar algum grande caso que envolve um processo judicial de questão alfandegária?
Uma empresa promoveu a importação de 1.100 caixas (43.700 peças) de produtos denominados “TV BOX”, acompanhados das fontes de energia e dos controles remotos. Em conferência física pela Receita Federal foram identificadas inconsistências com relação aos números de homologação da ANATEL apostos sobre os produtos, os quais sugeriram que tais aparelhos não estariam homologados para operar na frequência de 5 GHz. A fiscalização aduaneira entendeu que os produtos estavam acompanhados de “SELO FALSO”, e que havia violação à Lei de Direitos Autorais, na medida em que, após a instalação de um aplicativo desenvolvido por terceiros, foi possível acessar conteúdo midiático protegido. Com relação às fontes de alimentação das TV Box, entendeu a Receita Federal que corresponderiam a carregadores de celular sem registro de homologação pela ANATEL, considerados desta forma como “não-homologados”. Assim, após regular processo administrativo, foi decretada a pena de perdimento. A empresa ingressou em Juízo para anulação dessa pena. Foi indeferido o pedido de tutela de urgência e a causa aguarda a prolação de sentença.

 

juíza federal Vera Lúcia Feil ()