A 2ª Vara Federal de Canoas determinou a reinserção de um candidato, autodeclarado negro, na lista de aprovados do último concurso do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4). Ele havia sido excluído, pela comissão de heteroidentificação do TRT4, da lista de candidatos reconhecidos como negros. A sentença, publicada em 9/1, é da juíza federal substituta Ana Paula Martini Tremarin Wedy.
O autor relatou que prestou concurso público para os cargos de Técnico e Analista Judiciário do TRT4, tendo optado por concorrer nas vagas destinadas à população negra, como pardo. Classificou-se para ambos os cargos e foi convocado para comparecer perante a Comissão de Heteroidentificação e, subsequentemente, foi excluído da lista de candidatos reconhecidos como negros, em decisão que apresentou resposta padrão para todos os candidatos avaliados. Apresentou recurso administrativo à FCC, o qual foi indeferido, com novas respostas que, segundo o candidato, seriam padronizadas e que não avaliaram sua situação concreta.
O candidato postulou a nulidade do ato administrativo por ausência de motivação individualizada para sua exclusão. Apresentou, também, imagens de outros candidatos cuja autodeclaração foi aceita pela aludida comissão, caracterizando falta de critério coerente para o exame considerando a comparação entre a sua foto e a dos referidos candidatos.
Citada, a Fundação Carlos Chagas (FCC) contestou afirmando que a decisão da Comissão de Avaliação está fundamentada nos critérios da fenotipia (aparência física) do candidato. A União também apresentou contestação, alegando que o sistema de identificação concebido pauta-se em critérios fenotípicos, estabelecidos no edital de regência do certame.
Ao analisar o caso, a juíza Ana Paula Wedy observou que a FCC apresentou decisão devidamente motivada, com argumentos técnicos, e rejeitou a alegação do autor de nulidade por ausência de motivação: “os fundamentos da decisão existem e constam na resposta da Banca ao recurso, não se podendo falar em vício do ato por ausência de motivação”.
A princípio, explicou a magistrada, é indevida a interferência do Poder Judiciário na avaliação procedida pela comissão responsável pela verificação de autodeclaração étnico-racial, salvo na hipótese de decisão administrativa ilegal, teratológica ou em evidente desvio de finalidade. No entanto, no caso concreto, a juíza concluiu que, apesar da motivação apresentada pela comissão de heteroidentificação, haveriam elementos mais que suficientes para justificar a inclusão do autor na lista para candidatos negros e pardos.
“Com efeito, ele demonstrou na petição inicial que outros candidatos no mesmo certame, embora considerados negros pela comissão, apresentam características menos marcantes do fenótipo negro/pardo em relação a ele. (…) Ilustra-se a incoerência da avaliação ao se comparar fotografias da candidata “X”, expostas em rede social, com fotografias do próprio autor”, comentou Wedy. A juíza ainda destacou o fato de que a autodeclaração realizada pelo autor em outros certames foi homologada, como no caso do concurso da AGERGS e na matrícula para o Bacharelado em Sistemas de Informação, na Faculdade XP Educação. “Tais fatores indicam que, no mínimo, o fenótipo do demandante o coloca em uma zona cinzenta para fins de enquadramento como pardo, circunstância em que, segundo o TRF4, há que se privilegiar a autodeclaração de modo mais preponderante em relação à avaliação realizada por comissão de verificação”, justificou.
Por fim, Wedy pontuou que a miscigenação característica da sociedade brasileira há séculos realmente dificulta o estabelecimento de parâmetros objetivos para que se possa definir com precisão a parcela da sociedade brasileira considerada preta ou parda. “A autodeclaração representa não só a confirmação de um fenótipo, mas também a exteriorização do sentimento de pertencimento a um determinado grupo social estigmatizado pelo preconceito”, concluiu.
A magistrada julgou procedente o pedido, declarando nulo o ato que excluiu o autor, devendo o mesmo ser reinserido na lista dos candidatos autodeclarados negros (pretos/pardos) aprovados nos cargos de Técnico Judiciário e de Analista Judiciário – Especialidade Tecnologia da Informação, possibilitando a sua nomeação e posse, se for o caso, obedecida a ordem de classificação.
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